-Johann Wolfgang von Goethe: O Divino e Elegia

sábado, 30 de agosto de 2014

Muito Obrigada.


O divino

Nobre Seja o homem,
Solicito e bom!
Pois isso apenas
O distingue
De todos os seres
Que conhecemos.

Louvemos os seres
Supremos, ignotos,
Que pressentimos!
A eles deve igualar-se o homem!
Que o seu exemplo nos ensine
A crer naqueles.

Pois insensível
É a Natureza:
O Sol alumia
Os maus e os bons,
E o criminoso
Vê como os melhores
Brilhar Lua e estrelas.

O vento e as torrentes
Trovão e granizo,
Desabam com estrondo
E atingem
No seu ímpeto
Um após outro.

Também a sorte anda
Às cegas entre a multidão
E escolhe, ora os cabelos
Inocentes do menino,
Ora a cabeça calva
Do culpado.

Grandes leis
Eternas, de bronze,
Regem os ciclos
Que todos temos de percorrer
Na nossa existência.
Divino
Mas só o homem
Consegue o impossível:
Pois sabe distinguir,
Escolher e julgar;
Por ele o instante
Ganha duração.

Só ele pode
Premiar os bons,
Castigar os maus,
Curar e salvar,
Unir com sentido
O que erra e se perde.

E nós veneramos
Os imortais
Como se homens fossem,
E em grande fizessem
O que em pequeno os melhores
Fazem ou desejam.

Que o homem nobre
Seja solícito e bom!
incansável, crie
O útil, o justo,
E nos seja exemplo
Daqueles seres que pressentimos! 

- Johann Wolfgang von Goethe



Elegia
E quando o homem emudece de dor
Um deus me deu dizer tudo o que sofro.

Que hei-de eu então do reencontro esperar,
Do botão deste dia inda fechado?
Paraíso e inferno, de par em par

Se abrem ao meu espírito desvairado
Não tenho dúvidas! Ao céu vai subir,
P’ra nos braços a ti te receber.

E assim no paraíso já te vejo,
No eterno e belo reino, sem merecê-lo;
Não te restou esperança, ânsia, desejo,
Era esta a meta do mais íntimo anelo,
E ante uma tal beleza nasce o espanto,
Secou a fonte de nostálgico pranto.

Que célere o bater de asas do dia!
Um a um os minutos a ceder!
À noite, o beijo - o selo que nos unia:
E assim será com o Sol que há-de nascer.
Correm as horas, iguais e indolentes,
Todas irmãs, e todas tão diferentes.

O beijo, o derradeiro, doce cruel,
Rasga a trama sublime deste amor.
O pé apressa-se, pára, foge do umbral,
Expulso pelo anjo de espada a flamejar;
Fixa o olhar o caminho, enfadado,
Volta-se, triste — o portão está fechado.

Fechado em si agora o coração.
Como se nunca aberto se tivesse
Nem, com os astros em competição,
Com ela horas de sonho desfrutasse;
E arrependimentos, cuidados, desprazer,
Como ar de chumbo sobre ele a pesar.

Mas não nos resta o mundo? -  Estes rochedos.
De sombras sacras não estão coroados?
Não sazona a colheita? E os campos verdes
Não se estendem por rios, bosques e prados?
E não se arqueia a cósmica grandeza,
Ou rica em formas, ou nua de beleza?

Grácil e leve, em claro tecido, aéreo,
Paira, seráfica, entre brumas estelares,
Como que a ela igual, no azul etéreo,
Forma esbelta, de diáfanos vapores:
Assim a viste dançando, esplendorosa,
Das formas graciosas a mais graciosa.

Mas só por uns instantes ousaras
Um fantasma reter em seu lugar;
Volta ao coração! Aí a encontrarás,
Em mil formas se oferecendo ao teu olhar;
E uma verás em muitas convertida,
Em milhares delas, cada vez mais querida.

Ficava às portas, como para receber-me,
Passo a passo me levando ao desvairo;
Depois do último beijo inda alcançar-me
Para nos lábios me pôr o derradeiro:
E fica-me essa imagem clara e viva
No coração fiel a fogo escrita.

Muralha alcandorada, o coração,
Que a guarda em si e se guarda para ela,
Que por ela se alegra com a própria duração,
Só de si sabe quando ela se revela,
Se sente livre nessa amada prisão,
E por ela bate, todo gratidão.

Se morta e apagada estava em mim
A vontade de amar, de ser amado,
Logo o desejo de nova ação senti,
De decisões, projetos esperançados!
E se é verdade que o amor inspira o amante,
Eu próprio disso sou prova eloquente;

E a ela o devo! Que angústia interior,
No corpo e n’ alma odiada opressão:
Assediado por imagens de terror,
No deserto vazio do coração:
Mas nasce a esperança no conhecido umbral,
E ela mesma aparece, um claro Sol.

À paz de Deus que neste mundo a vós
a razão consola — é o que lemos —
Comparo do amor a serena paz
Na presença do ser que mais amamos’
Repousa o coração, e nada abala
Este forte sentir de ser só dela.

Na nossa alma pura há uma saudade
De só nos darmos, em gesto livre e grato,
A uma pura, ignota, alta entidade,
Desvelando em nós o eterno Inominado;
Devoção lhe chamamos, e eu sinto
Esse êxtase quando ante ela me encontro.

O seu olhar, como a força do Sol,
O seu hálito, como a brisa de Maio,
Faz degelar, como em cripta invernal,
O egoísmo que o tempo inteiriçou;
Não há interesse, vontade, que resistam,
Quando ela chega logo eles se dissipam.

É como se dissesse: «De hora a hora
Amavelmente a vida nos é dada,
O que ontem foi, mal o temos agora.
A ciência do futuro é-nos vedada:
E sempre que à noitinha tive medo,
O pôr do Sol me encontrou vivo e ledo.

«Por isso, faz como eu e olha, sensato,
O instante de frente, sem adiar!
Enfrenta-o logo, benévolo, animado,
Quer para o prazer da ação, quer para amar:
Onde estiveres, sê tudo, infantilmente,
E serás tudo, insuperável sempre.»

Tu falas bem, pensei, e a ti te deu
Um deus por companhia o dom do instante,
E cada um num instante se sente a teu
Lado ao dom dos Fados pretendente;
Assusta-me o sinal que a num de ti
Me afasta — tanto saber para quê?

Estou longe agora! Ao minuto que passa
Que coisa convém mais? Não sei dizer;
Algo de bom me oferece, com a beleza,

Mas só me pesa, tenho de o repelir;
Move-me a ânsia indócil que há em mim
E o que me resta são lágrimas sem fim.

Brotai então, e correi sem parar,
Mas o fogo interior não esfriareis!
Um furor louco meu peito quer rasgar,
Vida e morte entram em luta feroz.
Para a dor do corpo mezinha iria achar,
Mas falta ao espírito a decisão, o querer,

E o entendimento: como passar sem ela?
E mil vezes convoca a sua imagem,
Que ora lhe é roubada, ora vacila,
Nítida agora, depois uma miragem;
Virá alguma vez consolação
Do vaivém das marés do coração?

Deixai-me aqui, meus fiéis companheiros,
Entre pântano e musgo, numa fraga;
O mundo abre-se a vós. Ide, ligeiros!
Sublime e grande é o Céu, a Terra larga;
Estudai, juntai os factos, e na procura
Balbuciai os segredos da Natura.

Perdi o Todo, de mim já me perdera,
Eu, ainda há pouco o eleito dos deuses.
À prova me puseram, veio Pandora
Cheia de bens, e inda mais de reveses:
A uma pródiga boca me prenderam,

E com a separação morte me deram.

- Johann Wolfgang von Goethe,

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